quinta-feira, 2 de abril de 2015

Último suspiro

Você já imaginou qual será a última frase que você dirá nessa vida, antes de abotoar o paletó? Pesquisando sobre esse assunto, digamos, fúnebre, descobri histórias interessantes envolvendo alguns grandes talentos de nossa humanidade e de que forma eles partiram desta para uma melhor. 

Os primeiros relatos de palavras comprovadamente ditas por figuras históricas em seu leito de morte remontam ao ano de 399 antes de Cristo, quando Sócrates “cingiu a túnica”, já que naquele tempo ainda não se “abotoava o paletó”. 

O grande filósofo disse uma frase apropriadamente socrática: “Eu devo um galo a Esclépio, você vai se lembrar da dívida?”, perguntou a um discípulo segundos antes de empacotar. 

Outro grande pensador, Platão, morreu em 347 antes de Cristo. Ninguém registrou a fase lapidar em si, mas diversos discípulos afirmaram que ele morreu agradecendo por ter nascido homem, grego e no mesmo século de Péricles. Se começamos essa lista com dois exemplos de seres humanos notáveis, o mesmo não se pode dizer de Nero que, além de seu apreço pela pirofagia, mostrou-se também um grande arrogante, ao anunciar “Que grande artista o mundo vai perder!”. 

François Rabelais divide os biógrafos. Alguns dizem que por ocasião de sua morte, em 1553, ele teria dito: “Desçam as cortinas, a farsa acabou”. Outros dizem que a frase derradeira teria sido: “Estou indo para o grande talvez”. 

Outras frases ditas na hora H: “Vou ver o sol pela última vez”, Rousseau. “Me deixem morrer em paz”, Voltaire. É curioso lembrar que esses dois últimos morreram no mesmo ano, 1778, mas demonstraram reações diferentes diante do desconhecido. 

O filósofo Denis Diderot, seis anos depois, ao bater as botas, disse “O primeiro passo rumo à filosofia é a incredulidade”, filosofou antes de dar o último suspiro. 

Entre os poetas as últimas frases costumam ser verdadeiros achados. Um bom exemplo é o tuberculoso John Keats, em 1821, pouco antes de esticar as canelas: “Graças a Deus ela chegou. Já sinto as flores crescendo em cima de mim”. Lord Byron, em 1824, no entanto, apenas anunciou que iria dormir e não acordou mais.  O adeus de Goethe talvez seja o mais conhecido: “Mais luz!”, teria dito o gênio alemão, que escrevia seus livros em pé numa escrivaninha alta que ele mandou fazer especialmente para facilitar essa maneira sui generis de criar.  

O escritor O. Henry, pseudônimo usado por William Sydney Porter, disse algo parecido em 1910: “Acendam as luzes! Eu não quero ir para casa no escuro”. O idealista absoluto Hegel, desencarnou com uma conclusão tristonha: “Só um homem conseguiu me entender... e ele não me entendeu direito”. A incredulidade, e uma pitada farta de niilismo, também se fez presente na passagem de James Joyce: “Será que ninguém entende?”. 

Edgar Alan Poe morreu como um personagem de seus contos, pedindo a Deus que tivesse pena de sua alma. O filósofo Thomas Carlyle, em 1881, desdenhou a morte: “Então morrer é assim? Ora...”. Henry James aparentemente encontrou alguma resposta na hora de comer alface pela raiz: “Então é isso, enfim as coisas distintas...”. 

Oscar Wilde, em 1900, pediu um drinque, disse que estava morrendo como sempre vivera, além de suas posses, e cruzou a fronteira. Para quem achava que apenas o supérfluo era necessário, essa despedida foi coerente. 

O escritor russo Tchekhov se empirulitou de maneira sublime, dizendo “tin tin”, após erguer um brinde de champanhe. Outro grande escritor russo, Tolstoi, expirou perguntando como os camponeses morriam. George Bernard Shaw ficou indignado com a insistência da enfermeira em mantê-lo vivo: “Você está tentando me manter vivo como uma curiosidade, mas eu acabei, estou no fim, estou morrendo”. Ele estava certo. D.H. Lawrence foi exatamente o contrário. Ele se virou para o médico e disparou: “Acho que estou me sentindo melhor”. Não estava. 

Aqui no Brasil também temos ótimas histórias de últimas frases ditas. Eu não sei exatamente qual frase Vinícius de Morais possa ter dito, mas é conhecida a história do “poetinha” que, hospitalizado, conseguia seu uísquinho sagrado subornando as enfermeiras com poeminhas inéditos. Para quem achava o uísque o melhor amigo do homem, a ponto de considerar a bebida o cachorro engarrafado, é muito fácil entender as razões do parceiro de Tom em bebericar até o momento de subir para o degrau de cima.

Machado de Assis teria sussurrado: “A vida é boa”. Graciliano Ramos sentenciou: “Estou acabado”. Sérgio Porto apagou pedindo à empregada que não olhasse para ele. 

José do Patrocínio Filho, herdeiro do jornalista e romancista José do Patrocínio, disse: “Doutor, não é melhor eu mamar?”. Nesse caso, eu reconheço, é preciso explicar as razões de uma frase tão lapidar no momento em que a cortina da vida se fechou para o intelectual. Condenado a tomar leite humano, como último recurso da medicina, já que nenhum outro alimento lhe apetecia, e percebendo a dificuldade da ama-seca em extrair de seus belos seios o líquido precioso, o nosso Zé não titubeou e deu sua idéia para o médico. Não teve tempo. 

Quando estava finalizando essa crônica, ainda no feriado de Carnaval, lembrei de quando o Jô Soares entrevistou o impagável Miéle em seu programa. Como o assunto da conversa, em um determinado momento foi justamente sobre a morte, Miéle disse que em sua lápide estará a seguinte frase: “Absolutamente contra a minha vontade”. Espero que alguém tenha um gravador por perto quando uma figura destas esticar o pernil. Com certeza vem coisa boa por aí. 

Antes de finalizar essa crônica eu gostaria de me desculpar pela grande quantidade de metáforas, algumas de gosto duvidoso, usadas para caracterizar a morte. Creio, de verdade, que é necessário despir a morte de tantos subterfúgios, lugares-comuns e assombros poéticos, por que no fundo a morte é morte mesmo, e acabou. Literalmente.

Citações do dia:
“Uma vida inútil equivale a uma morte prematura”- Goethe
“O melhor amigo do homem é o Google. O Google é o cachorro computadorizado”- Essa frase é minha e ninguém tasca.

Fiz esta foto a alguns anos em Moc
Sincronia
Filme do dia: “O sétimo Selo” - filme de Bergman onde a morte é convidada para um jogo de xadrez.

Do Tibet a Serranópolis

Revirei meu baú de espantos literários e me deparei com uma crônica que, à epoca, saiu na imprensa de Montes Claros. Resolvi reeditá-la. Ao final explico as razões. 


Em uma aldeia no norte do Tibet uma jovem mãe que acabara de perder seu único filho, saiu correndo pelas ruas da cidade, levando nos braços o corpo inerte do menininho de um ano. Ela foi direto na casa do líder espiritual da aldeia e pediu ao sábio que lhe desse um remédio que pudesse "curar" a morte de seu filho. 

O sábio aconselhou-a a procurar uma semente de mostarda em uma das casas da aldeia onde nunca tivesse ocorrido uma perda. Com as sementes, o sábio pretendia fazer um chá para resgatar a criança da morte. A mãe saiu correndo pelas ruas empoeiradas da aldeia em busca da tal semente de mostarda. Mas em todas as casas as pessoas diziam: "Aqui já perdemos muita gente", "Semana passada perdi meu velho pai", "Eu também perdi um bebê como o seu há alguns anos". Então, a mãe entendeu a lição do velho sábio. Ela voltou até a casa do velho e disse: "O sofrimento me deixou cega a ponto de achar que era a única pessoa a sofrer nas mãos da morte". 

Bom, é possível tirar duas conclusões dessa pequena introdução. A primeira é que o Paulo Coelho deve conhecer essa passagem da sabedoria milenar, essa e outras 378 mil, e que ela deve aparecer em algum de seus livros de auto-ajuda, a segunda, e mais importante, é que não devemos deixar essa espécie de egoísmo diante da dor universal influenciar nossa maneira de ver os fatos. 

A morte é inevitável, e ponto. Se bem que quando somos bafejados por seu hálito mortífero sentimos que estamos carregando um fardo insuportável. Mas isso também não é verdade. Não sei bem de onde, mas o fato é que a vida continua nesse país de 3° Mundo mesmo depois da morte de um presidente ou daquele seu avô que luta contra a "doença ruim". A vida simplesmente não seria completa sem esse detalhe macabro. "Nascer, crescer, reproduzir e bater as botas", lembra? 

Pois é, o que me levou a escrever sobre esse assunto para o blog foi uma notícia que li no jornal "O Norte" de Montes Claros sobre um estupro que aconteceu em Serranópolis de Minas, onde um rapaz de 26 anos estuprou uma anciã de 84. Para mim essa notícia teve um sabor mais amargo ainda, porque eu conheço tanto a vítima quanto o estuprador. E quando a informação, que por si só já é terrível, é acrescida de fisionomias, cheiros e lembranças da infância, isso se torna ainda mais aterrador. 

Eu nasci em Serranópolis e minha família mora lá. A senhora que foi vítima dessa barbaridade provavelmente é freguesa de meus pais, que são comerciantes desde sempre na minha "pequena aldeia", e o rapaz que cometeu o crime é meu conhecido de infância. 

Essa notícia me levou a refletir sobre as escolhas que temos na vida. Optar pelas escolhas erradas é, seguramente, a forma mais rápida de nos aproximarmos do "grande vazio". Pois perder gradativamente sentimentos como educação, gentileza e respeito nos enreda cada vez mais numa existência vazia, e ter uma vida vazia equivale a morrer. 

E se a morte é mesmo inevitável, e nesse particular ninguém parece discordar, o mais importante é que tornemos os nossos dias os mais agradáveis possíveis. Aquele velho receituário para uma vida saudável que prega que devemos fugir do stress, evitar a ingestão de gorduras, exercitar-se fisicamente e manter a mente sempre ativa, é extremamente importante. Mas eu acrescentaria que cuidar da alma, fazer trabalho voluntário e se importar com os problemas dos outros também é essencial. 

Por isso, gostaria de "pedir a benção" para a senhora que foi seviciada em Serranópolis, como forma de mostrar todo o respeito que ela merece, e, ao contrário do que nossos sentimentos urgentes possam indicar, desejo uma recuperação para o jovem. Que algum dia ele possa perceber as coisas boas da vida e se emendar. Porque precisamos ter sempre esperança, - eis aí mais um item do receituário que eu já ia me esquecendo-, pois as escolhas estão aí bem debaixo do nosso nariz, e ser bom ou mal, útil ou inútil, só depende de nós. 

Santo Agostinho, um dos grandes sábios do cristianismo, disse certa vez que a "medida de amar é amar sem medida". Só nos resta concordar. 


Adendo necessário: Publiquei novamente o texto porque o rapaz que cito aqui morreu no ano passado. Depois de ficar preso alguns meses ele voltou pra Serranópolis e continuou a se equilibrar na corda bamba do destino. A corda se rompeu, porque se o acaso protege quando andamos distraídos, é prudente esticar uma rede de segurança em algum lugar. Igreja, família, sei lá...

Dicas absolutamente necessárias sobre assuntos até mesmo desnecessários

Música do dia: Grace- Jeff Buckley 
Pixel: Enquanto isso nos programas da madrugada da TV
Citação do dia: "Há pessoas que transformam o sol numa simples mancha amarela, mas há também aquelas que fazem de uma simples mancha amarela o próprio sol"- Pablo Picasso. Mas a citação até poderia ter sido dita por outro Pablo, Neruda.