A guerra
pode ser um local onde a poesia prospera? Acredito que sim. De qualquer lugar
ela pode emanar, sobretudo onde vidas humanas estão suspensas num fio tênue e
cambiante. Willian Butler Yeats, que viveu em tempo de guerra, discordava: “Em
tempos como os de hoje suponho que o melhor é um poeta silenciar-se, por ser
insuficiente seu dom contra o estadista a praticar o mal”. Mas vou adiante, já
que o próprio Yeats tratou de se contradizer deixando-nos belos versos sobre os
confrontos.
A Primeira
Guerra Mundial foi prodigiosa em revelar bons poetas que lutaram no front e que
tiveram suas vidas interrompidas abruptamente. Entrincheirados, exauridos,
solitários, eles relegaram textos inspirados sobre a estupidez da guerra, a
solidão dos campos enlameados e um estranho e obstinado patriotismo.
Aqui se
entrincheira a contradição de Yeats, que escreveu: “Não odeio quem combato e
não amo quem defendo”. O poeta, instado a escrever sobre os confrontos, teria
se inspirado em um parente, já que ele próprio não serviu na primeira das
grandes guerras. Mas os outros que citarei sofreram os horrores da guerra e
viveram, pelo menos algum tempo, para registrar a experiência na forma de
poesia. Um deles é Rupert Brooke (1887-1915), que escreveu “O herói”, que tem
aqui uma leve adaptação ao ser traduzido:
“Morreu
exatamente como desejaria”,
disse
a mãe após ler e dobrar a missiva.
“O
coronel escreve tão bem.”
Mas
quebrou-se algo naquela voz cansada, que gaguejou.
O
olhar um pouco alçado: “Nós, mães, de um herói morto
orgulhamo-nos
tanto.” E o olhar quedou-se absorto.
Calado,
o Irmão Oficial foi-se embora.
Ele
havia contado à pobre dama só piedosas lorotas.
Que
ao longo dos dias ela alimentaria.
Enquanto
ele tossia, os olhos da velhota,
repletos
de deleite e triunfo, haviam brilhado
por
seu bravo menino, o glorioso soldado.
Lembrou-se
ele então como este inútil maricas
Apavorou-se
quando aquela noite a mina explodiu em Wicked Corner.
Como
não poupou esforço para que o enviassem a casa.
E
como, enfim já morto
e
em pedaços, ninguém parecia se importar
Outro
poeta/soldado/defunto foi Edward Thomas (1878/1917), que deixou uma estrofe
eivada de solidão chamada “In Memoriam”, escrita na Páscoa de 1915, dois anos
antes de ser aniquilado por uma granada:
As
flores que esta noite se adensam nas ramadas
recordam-nos
os homens distantes de seu povo.
Nesta
Páscoa as teriam colhido para as amadas,
entretanto
jamais as colherão de novo.
O cinema
também consegue traduzir o horror da guerra através de cenas memoráveis, como a
roupa vermelha da judia em contraste ao preto e branco dos algozes em “A Lista
de Schindler” ou a cena em que o jovem soldado dedilha uma melodia ao piano, e
é acompanhado por uma bela jovem alemã, na boa película “Corações de Ferro”, do
diretor e roteirista David Ayer.
Este filme,
de 2015, consegue reproduzir o ambiente claustrofóbico de um tanque chamado
Fury, onde se aboletam homens rudes e o citado soldado culto, que fora à guerra
para ser datilógrafo e acaba sendo o herói da história, onde os soldados
americanos não são tratados como santinhos, e onde a violência espoca por todos
os lados. "Ideais são pacifistas, mas a história é violenta", a
personagem defendida por Brad Pitt deixa isso bem claro em uma das cenas do
filme. Os dois exemplos do cinema são da Segunda Grande Guerra, que tinha
novamente como antagonista os alemães, cegos e loucos, absolutamente mimetizados
pela figura de seu Führer.
A Segunda
Guerra já não foi mais das trincheiras, das granadas e dos poemas. Foi sim dos
diários esquecidos nos porões, das bombas atômicas e dos filmes, daqui e de
acolá, que vendiam as idéias a quem se prestasse a comprá-las.
Ao fim da
exibição do filme de Ayer uma cena carece de uma reflexão. É quando um
soldadinho alemão vê o recruta americano sob o tanque, coberto de lama. Ele
simplesmente finge não vê-lo. E isso, o acaso, é o que lhe poupa a vida. E no fim
percebemos que entre tantas máquinas de guerra, havia espaço sim para alguma
delicadeza e é justamente neste intervalo que surgiam os poemas, bons ou maus.
E eis um
aqui, de alguém que nunca lutou numa guerra, ao não ser que tenha vivido outras
vidas.
Aquelas
canções que cobriam de esperança os homens de chumbo
nas
noites de inverno inclemente, perdidos e famintos
em
terras tão estranhas, estrangeiras,
como
as estrelas desse outro céu.
Aqueles
pavilhões que tremulavam
nas
mãos amedrontadas de soldados meninos,
em
tardes tão nubladas, de pensamentos imprecisos
em
lugares em que não eram bem-vindos.
Aquele
cheiro detestável de pólvora
que
parecia impregnar a própria alma,
nas
manhãs silentes e apavorantes de uma guerra sem propósito,
de
uma vida esquecida.O Fury avança para sua missão suicida |