domingo, 3 de abril de 2016

Guerras em vão


A guerra pode ser um local onde a poesia prospera? Acredito que sim. De qualquer lugar ela pode emanar, sobretudo onde vidas humanas estão suspensas num fio tênue e cambiante. Willian Butler Yeats, que viveu em tempo de guerra, discordava: “Em tempos como os de hoje suponho que o melhor é um poeta silenciar-se, por ser insuficiente seu dom contra o estadista a praticar o mal”. Mas vou adiante, já que o próprio Yeats tratou de se contradizer deixando-nos belos versos sobre os confrontos.

A Primeira Guerra Mundial foi prodigiosa em revelar bons poetas que lutaram no front e que tiveram suas vidas interrompidas abruptamente. Entrincheirados, exauridos, solitários, eles relegaram textos inspirados sobre a estupidez da guerra, a solidão dos campos enlameados e um estranho e obstinado patriotismo.

Aqui se entrincheira a contradição de Yeats, que escreveu: “Não odeio quem combato e não amo quem defendo”. O poeta, instado a escrever sobre os confrontos, teria se inspirado em um parente, já que ele próprio não serviu na primeira das grandes guerras. Mas os outros que citarei sofreram os horrores da guerra e viveram, pelo menos algum tempo, para registrar a experiência na forma de poesia. Um deles é Rupert Brooke (1887-1915), que escreveu “O herói”, que tem aqui uma leve adaptação ao ser traduzido:

“Morreu exatamente como desejaria”,
disse a mãe após ler e dobrar a missiva.
“O coronel escreve tão bem.”
Mas quebrou-se algo naquela voz cansada, que gaguejou.

O olhar um pouco alçado: “Nós, mães, de um herói morto
orgulhamo-nos tanto.” E o olhar quedou-se absorto.
Calado, o Irmão Oficial foi-se embora.
Ele havia contado à pobre dama só piedosas lorotas.

Que ao longo dos dias ela alimentaria.
Enquanto ele tossia, os olhos da velhota,
repletos de deleite e triunfo, haviam brilhado
por seu bravo menino, o glorioso soldado.

Lembrou-se ele então como este inútil maricas
Apavorou-se quando aquela noite a mina explodiu em Wicked Corner.
Como não poupou esforço para que o enviassem a casa.

E como, enfim já morto
e em pedaços, ninguém parecia se importar
Exceto a solitária velhinha de olhos no ar.


Em combate

Outro poeta/soldado/defunto foi Edward Thomas (1878/1917), que deixou uma estrofe eivada de solidão chamada “In Memoriam”, escrita na Páscoa de 1915, dois anos antes de ser aniquilado por uma granada:

As flores que esta noite se adensam nas ramadas
recordam-nos os homens distantes de seu povo.
Nesta Páscoa as teriam colhido para as amadas,
entretanto jamais as colherão de novo.

O cinema também consegue traduzir o horror da guerra através de cenas memoráveis, como a roupa vermelha da judia em contraste ao preto e branco dos algozes em “A Lista de Schindler” ou a cena em que o jovem soldado dedilha uma melodia ao piano, e é acompanhado por uma bela jovem alemã, na boa película “Corações de Ferro”, do diretor e roteirista David Ayer.

Este filme, de 2015, consegue reproduzir o ambiente claustrofóbico de um tanque chamado Fury, onde se aboletam homens rudes e o citado soldado culto, que fora à guerra para ser datilógrafo e acaba sendo o herói da história, onde os soldados americanos não são tratados como santinhos, e onde a violência espoca por todos os lados. "Ideais são pacifistas, mas a história é violenta", a personagem defendida por Brad Pitt deixa isso bem claro em uma das cenas do filme. Os dois exemplos do cinema são da Segunda Grande Guerra, que tinha novamente como antagonista os alemães, cegos e loucos, absolutamente mimetizados pela figura de seu Führer.

A Segunda Guerra já não foi mais das trincheiras, das granadas e dos poemas. Foi sim dos diários esquecidos nos porões, das bombas atômicas e dos filmes, daqui e de acolá, que vendiam as idéias a quem se prestasse a comprá-las.

Ao fim da exibição do filme de Ayer uma cena carece de uma reflexão. É quando um soldadinho alemão vê o recruta americano sob o tanque, coberto de lama. Ele simplesmente finge não vê-lo. E isso, o acaso, é o que lhe poupa a vida. E no fim percebemos que entre tantas máquinas de guerra, havia espaço sim para alguma delicadeza e é justamente neste intervalo que surgiam os poemas, bons ou maus.  
E eis um aqui, de alguém que nunca lutou numa guerra, ao não ser que tenha vivido outras vidas.

Aquelas canções que cobriam de esperança os homens de chumbo
nas noites de inverno inclemente, perdidos e famintos
em terras tão estranhas, estrangeiras,
como as estrelas desse outro céu.

Aqueles pavilhões que tremulavam
nas mãos amedrontadas de soldados meninos,
em tardes tão nubladas, de pensamentos imprecisos
em lugares em que não eram bem-vindos.

Aquele cheiro detestável de pólvora
que parecia impregnar a própria alma,
nas manhãs silentes e apavorantes de uma guerra sem propósito,
de uma vida esquecida.


O Fury avança para sua missão suicida

Onde há Deus, nada falta

Em meus tempos de criança, em Serranópolis de Minas, a oração do Terço era um ritual feminino. Senhoras quase sempre mais idosas, com suas vozes monocórdias, repetiam as frases que compõem a famosa ode à figura da mãe de Jesus. Desta forma a voz, em uníssono, soava tranquila, maternal, como deveriam ser todas as orações.

Para Rui Barbosa, Deus é o verbo que dá significado à gramática da vida. E nada melhor do que submergir neste mistério tendo as vozes maviosas da mãe, de tias e de outras mulheres, como guias. Um universo particular, e feminino.Não que rezar o Terço não fosse coisa de homem nesta época, mas era difícil imaginar um marmanjo, na década de 1980, puxar os “Pai Nossos” e “Ave Marias” que compõem a famosa cantilena católica.

Evidentemente que os homens também iam às rezas nas casas em minha cidade natal, mas quase sempre apenas acompanhavam as esposas e filhos e repetiam baixinho as orações, quase em tom de confissão. As mulheres é que marcavam as contas do Rosário e entoavam os cânticos laudatórios à figura da Virgem Maria.Qual não foi minha surpresa quando participei de um encontro do Terço dos Homens em Serranópolis?

Uma confraria que se reúne todas as semanas para rezar e refletir acerca das dificuldades da vida e compartilhar experiências. Tudo feito pelos homens da comunidade, incluindo meu pai, Almir Alves. No total são quarenta serranopolitanos que se reúnem nas segundas-feiras para um encontro sincero com Deus e o panteão de santos do catolicismo. E o evento de que participei não foi um encontro comum. O grupo comemorava quatro anos e escolhera o Parque Estadual Serra Nova para uma oração diferente, cercada pela natureza em um dos locais mais belos de Minas Gerais.

O escritor russo Leon Tolstoi teria dito que “Onde há fé, há amor. Onde há amor, há paz. Onde há paz, há Deus. E onde há Deus, nada falta”. Esse parece ser o sentimento que move os homens de Serranópolis quando buscam o Sagrado para suas vidas. Certamente estes homens, com rostos vincados e mãos calejadas, têm seus defeitos e falhas, como todo ser humano, mas pelo menos estão imbuídos da busca de entendimento, não se confinando a uma vida de afastamento, ou de estudado deboche diante do mistério Dele.Senti-me muito bem ao lado de meus conterrâneos e aproveitei para pedir a Deus bênçãos para minha família e agradecer pelas vitórias conquistadas.

Os homens que foram até lá puderam ver de perto o que as excelentes chuvas do histórico mês de janeiro deste ano, propiciaram para o meio ambiente do parque, que vicejava água e frescor por todos os lados.

Neste mesmo local, a Serra do Talhado, meu pai levou uma imagem da padroeira do Brasil em 1980 e iniciou uma romaria anual no dia doze de outubro. Na data muitas pessoas vão até o local para agradecer por graças alcançadas e para novas “encomendas” celestiais.O local tem uma indiscutível beleza, tão original e surpreendente, quanto a fé dos homens devotos de Nossa Senhora Aparecida em Serranópolis de Minas.



Dicas culturais para os sobreviventes do carnaval:


Filmes: A ficção científica apresentou nos últimos anos três clássicos, que são Interestelar, Gravidade e Perdido em Marte. Não deixe de ver nenhum deles.

Música: Nas últimas semanas ouvi bastante Pearl Jam, Violent Femmes e Eagles of Death Metal

Livro: Li "Rio Bossa Nova", do Ruy Castro, com dicas bem legais de lugares para ir na Cidade Maravilhosa.

Da lama ao caos

O rompimento da barragem de rejeitos da empresa Samarco em Mariana pavimentou pequenos rios por onde passou. E o tsunami ainda matou o rio Doce, importante manancial que liga Minas Gerais ao litoral capixaba. É simplesmente impossível mensurar o tamanho do prejuízo para a fauna e a flora. E o que dizer das vidas humanas levadas pelo mar de lama?

O “acidente” abriu os olhos de todos para as represas onde as empresas, após retirar o minério de ferro, depositam os rejeitos desta operação. Existem mais de quatrocentas só no estado de Minas. E em pelo menos 27 delas não há sequer informações acerca das condições estruturais. Um total acinte. Este não foi o primeiro “acidente” e, infelizmente, não deve ser o último a julgar pelas ações titubeantes por parte da empresa responsável pelo acontecido e também pelos governos.

Numa entrevista coletiva nesta semana, um jornalista perguntou para um diretor da Samarco se a empresa devia desculpas pelo “acidente”. Nem sei se a pergunta seria adequada naquele momento, mas felizmente foi feita. A resposta protocolar é que foi um desastre. O moço saiu pela tangente e disse que não é caso para desculpas. É verdade. Pedir desculpas é algo tão óbvio, tão básico, que não deveria sequer ser mencionada no circo midiático em que se transformou a coletiva, e sim deveria ter sido a primeiríssima providência a ser tomada por quem causou o impacto, tendo culpa ou não. Afinal pessoas morreram, lugarejos foram riscados do mapa e milhões de peixes e outros animais pereceram.

Otto Lara Resende disse, certa vez, que o mineiro era solidário apenas no câncer. Os fatos em Mariana, e posteriormente em Governador Valadares, mostraram que a máxima, embora curiosa, não é verdadeira. Diante da força da mobilização do povo, ficou a certeza de que ninguém está sozinho na aldeia global digitalizada em que nos metemos.

As redes sociais só não desempenharam papel mais relevante, graças à quantidade de informações errôneas que parecem se disseminar numa velocidade maior do que os fatos propriamente ditos. São os revezes deste “jornalismo sem filtro” inaugurado, sobretudo, pelo Whatsapp, mas que não tiram os méritos dos furos alcançados por pessoas comuns munidas de celular e senso de oportunidade.Portanto, caso não tenha percebido, a foto de uma menininha enlameada com um cachorrinho não era em Mariana, assim como a imagem da Praça dos Três Poderes em Brasília apinhada de gente não foi no feriado de quinze de novembro e sim no histórico junho de 2013. E os meios de comunicação, -todos eles!-, não deixaram de mostrar esse “fato histórico” e priorizou a cobertura dos outros acontecimentos da semana: Paris e Mariana.

Noutros tempos, antes das privatizações do governo FHC, a Vale, empresa que controla a Samarco, tinha em seu nome um complemento interessante. Era a “Vale do Rio Doce“, lembra? E hoje sequer um pedido de desculpas “vale” pela lama jogada no rio. Doce ironia.