quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Estado islâmico x estado lâmico

Enfim deixamos para trás uma das mais terríveis semanas de que me lembro.
Nos últimos dias, grande parte do Parque Estadual da Lapa Grande em Montes Claros queimou. E a chuva, tão aguardada, acabou chegando um tanto tarde para ajudar a debelar as chamas que assustaram e nos fizeram chorar.

Tragédia ainda maior se abateu no rio Doce, onde os dejetos da mineração empestearam um dos nossos mais importantes mananciais, levando-o a uma situação que talvez seja resolvida em décadas ou, talvez, nunca volte a ser o que era. No rastro da destruição da imundície da Samarco muitas vidas se perderam.
E na última sexta, ironicamente dia 13, o mundo voltou a ser sacudido pelo medo do terrorismo, numa tragédia ainda maior: o massacre de Paris.

Confesso que fiquei triste ao perceber que algumas pessoas, ao postarem fotos com a bandeira da França, foram hostilizadas por outras que, ao tentar comparar as tragédias, se viram no direito de julgar o sentimento alheio.

E teve ainda os que colocaram bandeiras de Minas, após o terrorismo que se abateu sobre Paris, como forma tardia de expressar seu bairrismo, em detrimento a um dos fatos mais aterradores pelo qual passou a humanidade, em todos os tempos. E, como sabemos, na “ágora” superficial da internet parece prevalecer aquela máxima: Se concordo contigo, sou sábio. Se não concordo, sou tolo. Sentimento que guarda semelhança com o próprio fundamentalismo.

Comparar o incomparável não é nenhum pouco razoável. Ainda mais que as tragédias de Mariana e Paris são absolutamente distintas.

Uma é fruto da imperícia e da negligência, erigida numa somatização assustadora de fatores externos, que passam, inclusive, pela anuência de órgãos que deveriam fiscalizar as tais barragens e não cumpriram suas obrigações. Até o fato dos governos valorizarem excessivamente o lucro em uma atividade que deixa tantos rastros de destruição como a mineração. Neste caso, no entanto, não é possível afirmar que havia intenção em se cometer algo assim, embora tudo corroborasse para isso.

Já a outra tragédia foi produzida deliberada e propositalmente, justamente numa cidade que guarda tesouros inestimáveis da história humana, berço do iluminismo e terra em que se primeiro ousou falar em democracia, através da legítima expressão que “iluminou” as trevas do Velho Mundo, e também do novo, onde estamos: Liberdade, igualdade, fraternidade.

Condoer-me por Paris, não significa absolutamente insensibilidade por Mariana, e pelo rio Doce, onde o “Instituto Terra”, capitaneado pelo fotógrafo Sebastião Salgado e a esposa dele, recuperou tantas nascentes, e é uma inspiração permanente para o projeto Vidas Áridas, que encabeço juntamente com meu amigo Geraldo Humberto e tantos outros parceiros.

Simplesmente não cabe comparação, e não é possível tentar medir sob suas réguas, o pesar dos outros. Certamente para a mãe que perdeu o filho levado pela lama do descaso não há tragédia maior. Mas para a humanidade o que aconteceu em Paris traz de volta a sensação de pavor diante de um inimigo sem rosto, que não ouve, não negocia e não poupa inocentes, e lança sua ameaça a todos, até mesmo nos Jogos Olímpicos que se aproximam, e que serão realizados no Brasil.

Por isso, quem colocou nas redes sociais a bandeirinha da França tem a minha compreensão, e quem sou eu para julgar aqueles que puseram a de Minas apenas depois dos fatos lamentáveis de Paris? Cada cabeça uma sentença. 

Quanto a mim, só me resta a bandeira do luto, que não está no perfil do meu Facebook. Ela tremula na alma. 

E o que traz um pouco de conforto é a lembrança de que hoje é domingo e, portanto, começa uma nova semana.

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