quinta-feira, 12 de março de 2015

Quando o lead derrota a lide

Recentemente eu voltei com meu blog, só que numa estrutura mais condizente com os dias atuais. E sempre colocarei material novo. Mas também pretendo transferir conteúdos do antigo blog. Como neste caso. Atualmente a equipe de vôlei de Montes Claros está numa fase decisiva da Superliga, o playoff- tem pela frente o imbatível Cruzeiro. E há quase cinco anos a cidade estava vibrando com um feito ainda mais sensacional: a chegada à final da principal competição de vôlei do país. E eu acompanhei o jogo. É um relato interessante também de meus primeiros dias na InterTV:

Estávamos em minha casa em Serranópolis de Minas. Provavelmente era época de férias escolares. Uma certeza: éramos crianças elétricas, que brincavam de pique-esconde indiferentes à ameaça dos videogames, manifestada naqueles tempos nos jurássicos Ataris. Depois de correr pelas ruas do então distrito de Porteirinha, a voz imperiosa da mãe chamava pra dentro da casa. E na sala modesta outra vez brincávamos de adedonha, jogos de tabuleiro, em especial o onipresente ludo. Outra certeza: uma vez aboletados na sala ninguém deveria reparar na TV ligada, ainda mais que havia brinquedos espalhados pelo chão.

A atração exibida era um telejornal vespertino. Ou seria de manhã? A imprecisão do passar do tempo eclipsa os detalhes, mas não retira a força da frase proferida pelo garoto enquanto assistia a TV. Sim, pelo menos uma das crianças estava vidrada na imagem do apresentador engravatado. O homem era Sérgio Chapelin, e a criança era eu. “Um dia estarei na TV como esse moço aí”, eu disse.

Noutra ocasião, e essa de fato me recordo, brinquei com minha irmã Graziela de apresentar telejornal, improvisando uma caixa de papelão como se fosse um monitor. Eu me aboletei no objeto e dei as notícias, com voz impostada como faziam os apresentadores. Minha única telespectadora certamente gostou, embora talvez ela nem lembre disso.

O fato é que sempre sonhei em trabalhar com comunicação, mesmo sem saber o que um jornalista faz. E hoje, passados mais de trinta anos desde que vim ao mundo na maternidade de Porteirinha, posso dizer que alcancei este objetivo. Trabalho na InterTV, afiliada Globo em Montes Claros, cidade que me acolheu há quinze anos.

Uma carreira sólida no rádio da região precedeu minha ida para a TV. Trabalhei na Independente FM de Porteirinha e em duas das principais emissoras de Montes Claros: 98 e Itatiaia. Antes da InterTV, tive uma experiência na televisão, no programa “Revista Geraes”, da TV Geraes, e certamente foi um excelente laboratório, mas nada que se compare com o atual momento.

Hoje me aventuro neste veículo cheio de mistérios ao qual ingressei ciente de que nada sabia. E continuo não sabendo quase nada, passados mais de um mês de minha estréia. Esta aconteceu em um dia pouco recomendável para alguém que preza a verdade e faz dela o dínamo de seu ofício: primeiro de abril.

E como fui afortunado neste primeiro mês de trabalho. Tive a honra de trabalhar com excelentes repórteres cinegrafistas, companheiros inseparáveis na lida direta com as notícias. Desde o tranquilo Geraldo Humberto ao espevitado Messias Braga, passando por Robert, Xandão e Marcelo Pimenta. E todos eles acrescentaram muito ao meu trabalho, assim como os editores e produtores.

Neste primeiro mês deparei-me com todo tipo de matéria: acidentes prosaicos de trânsito, cobertura do esforçado Funorte no futebol, shows musicais, atividades ecológicas, falta de medicamentos e vacinas nos postos de saúde, animais soltos em bairros periféricos, mau cheiro advindo da Estação de Tratamento de Esgoto, denúncias de desmandos em cidades da região, visita ao presídio da cidade onde os presos não condenados irão votar nas próximas eleições, a morte de uma moça da Bahia possivelmente vítima de dengue hemorrágica.

Mas a principal pauta foi, sem dúvida, a campanha surpreendente do Montes Claros na Superliga de vôlei. Em função do vôlei aconteceram coisas incríveis para um repórter iniciante. Saíram matérias minhas no Bom Dia Minas e no Globo Esporte e também no canal SportTV, emissora por assinatura que pode ser sintonizada em todo Brasil. E o vôlei também me levou a São Paulo, para a primeira viagem interestadual que fiz, na cobertura da grande final.  Foi na cobertura do vôlei também que fiz meu primeiro “vivo”, situação em que o repórter entra ao vivo no telejornal via link. Na ocasião entrevistei o diretor do time, Vítor Oliveira.

No Ibirapuera

Certamente foram situações ricas, e todas elas com sua carga particular de complexidade. Mas teve uma situação específica que me mostrou o quanto o trabalho do jornalista pode ser dinâmico e desafiador. Eu e Messias Braga estávamos entrevistando os torcedores do Montes Claros na partida decisiva em casa contra o Brasil Vôlei, nova nomenclatura do Banespa, que fez história no voleibol nacional dos anos 1980. A partida foi uma batalha épica de cinco sets, mas eu e Messias só vimos o primeiro, pois fomos surpreendidos pelo telefonema da redação: “Parem tudo aí e sigam direto para o Delfino Magalhães. Aconteceu um duplo assassinato lá”.

Para a partida de vôlei foram escaladas duas equipes, e Cácio Xavier e Robert ficaram lá. Eu e Messias seguimos, feito corisco, para o populoso bairro. E lá chegamos pouco depois que os assassinos, em número desconhecido, invadiram uma casa e mataram dois jovens. O crime foi mais um tenebroso capítulo da disputa por pontos de distribuição de drogas em Montes Claros.

Eu e Messias, com autorização da polícia, entramos na cena do crime, e pudemos notar o quanto as drogas podem aniquilar a vida de alguém. Um dos mortos, de vinte anos, tinha uma folha corrida de pelo menos oito assassinatos nas costas, e o outro, um rapazote de dezoito anos, acabara de ganhar a maioridade há apenas três dias. A cena do crime, com drogas e dinheiro espalhados, dificilmente se dissipará de minha cabeça.

E foi lá que vi uma cena horripilante. O celular de uma das vítimas tocando e vibrando de maneira alucinada na poça de sangue que se formou sob o corpo cravejado de balas do jovem traficante.

Quem seria do outro lado da linha? Um playboy da classe média pedindo mais uma entrega de crack em sua casa do bairro Ibituruna ou São Luis?

Não. Na verdade o que piscava no visor era uma palavrinha pequena de três letras apenas. "Mãe".

O policial não atendeu a chamada. Ninguém atendeu. Enquanto o perito não chega nada pode ser tocado. Até esta noite eu nunca havia visto uma pedra de crack em minha vida, e logo vi umas seiscentas, segundo a PM.

Eu e Messias colhemos diversas sonoras com policiais e moradores da pacata rua escolhida para servir de depósito para as drogas de uma das duas facções do crime em Montes Claros. Foi justamente a outra facção que disparou mais de cinquenta tiros na chacina, que poderia ser ainda maior, já que havia pelo menos cinco pessoas na casa.

Dois fugiram e outro foi atingido e levado, acompanhado pela polícia, ao hospital. Eu e Messias ainda fomos para o hospital e só fechamos a matéria por volta da meia noite, quando ficamos sabendo que o Montes Claros havia vencido o Brasil Vôlei por três sets a dois e que estava na semifinal da Superliga, onde enfrentaria o poderoso Cruzeiro, de Betim. Se no ginásio a cidade se sentia vitoriosa, ali, relativamente perto, estávamos perdendo de goleada para a violência.

No dia seguinte a cobertura do vôlei foi brilhante, com a matéria de Cácio, mas a minha matéria sobre o crime também se fez presente mostrando que precisamos dar uma cortada definitiva na violência sob pena de perdemos essa luta no tie break. Por enquanto a minha impressão é que já perdemos os dois primeiros sets.

Essa foi a principal experiência do primeiro mês, juntamente com a viagem a São Paulo, onde fiz uma inspirada passagem no ônibus da torcida quando atravessávamos a divida de Minas e São Paulo na Serra da Mantiqueira. Passagem no linguajar jornalístico é quando o repórter surge no vídeo e seu nome aparece nos créditos.

A matéria foi, modéstia à parte, muito boa e reforçou a ideia que mesmo perdendo a final, o time, e a torcida, deveriam se orgulhar do feito. Chegar numa final de Superliga no primeiro ano de existência de clube é algo para se comemorar. E isso foi feito.

E a InterTV, que apostou no time desde o início, tem uma grande parcela de responsabilidade pelo fenômeno que o Montes Claros se tornou nas quadras e nos corações de milhares de pessoas no norte de Minas. Por isso os jogadores e a comissão técnica eram sempre tão atenciosos conosco. Para mim foi uma honra participar deste momento.

Nossa equipe em São Paulo, com a querida Leonídia

À guisa de justificativa para o título aparentemente maluco desta crônica, cabe-me esclarecê-lo: no linguajar jornalístico existe a palavra lead, que sintetiza nos famosos “O que”, “Quem”, “Quando”, “Como”, “Onde” e “Porque”, qualquer tipo de notícia. Basta respondê-las e teremos um texto conciso e preciso, puramente jornalístico.

No Direito temos a questão da lide, que é justamente qualquer situação em que as partes disputam o que quer que seja. É o embate, o choque de opiniões, o que justifica a existência de processos, julgamentos e sentenças.

Eu curso Direito, mas resolvi trancar minha matrícula neste quarto período, pois julguei que não daria conta de tanta responsabilidade. Vale registrar que também trabalho na assessoria de comunicação do CAA, além do já citado trabalho na InterTV. E Direito deve ser feito com esmero, pois se trata de um dos cursos mais difíceis que tem por aí. Por isso o título da crônica.

Agora o que quero é crescer cada vez mais no conhecimento de jornalismo televisivo e galgar os espaços para os quais eu for merecedor, ciente que tenho muito trabalho, e responsabilidade, pela frente. E que cada vez mais tenhamos notícias alvissareiras no esporte, e na vida em geral, e cada vez menos notícias policiais. É este o meu desejo, quixotesco é verdade, mas não devemos nunca perder a fé em nossos semelhantes.

Dicas culturais deste blogueiro de volta ao mundo digital:

Filme: O impressionante "Ela", de Spike Jonze. Certamente um dos filmes mais originais que já vi.

Álbum: Songs of innocence- U2. A banda irlandesa é sempre relevante.

Livro: Estou lendo "A volta", de Bruce e Andrea Leininger, por indicação de meu colega jornalista João Edwar. 

1 comentários:

sidney belem disse...

Muito bom!!!

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