segunda-feira, 23 de março de 2015

Nascentes vivas em um futuro melhor

Havia um motivo nobre: marcar o Dia Mundial da Água com uma ação efetiva para preservar este bem tão precioso. Havia gente disposta a perder parte do domingo com uma atividade coletiva: os familiares do senhor João Alves, os voluntários levados pelo Vidas Áridas e parceiros da atividade.
Padre Tarden, da Casa de Nazaré e Elenir




E havia algo mais, difícil de ser descrito: a esperança de tornar a pequena nascente do Córrego Gameleira a primeira a ser cercada pelo projeto “Nascente Viva”, que surge com o ambicioso intuito de proteger todos os minadouros de água do município de Montes Claros. 
A chegada a Gameleira


O estio caracterizou o domingo na comunidade, próxima a Lagoinha, às margens da BR-135. Muitos automóveis passam no local diariamente e a maioria dos ocupantes nem imagina que ali, há cerca de trezentos metros, surge uma das dez nascentes que fazem parte da Bacia do rio Vieira. No dia anterior choveu bastante por lá e havia o temor que o dia amanhecesse chovendo, o que dificultaria os trabalhos. Mas não foi o que aconteceu. Desta forma as ações foram feitas sem grandes dificuldades.
Antes de seguir para a nascente, todos se reuniram na casa de Elenir, filha do senhor João Alves, antigo proprietário da terra, falecido há menos de dois anos. Doze filhos fazem parte da imensa prole deixada por ele. E foi essa gente festeira e prestativa que nos recebeu com um farto café da manhã.
Sem perder tempo, após uma rápida explanação do projeto, alguns seguiram diretamente até a nascente e outros foram até o retiro de orações Casa de Nazaré, que faz divisa com as terras da família Alves. No meio, no fundo de um pequeno vale, se localiza a nascente, que não pertence a ninguém especificamente e, ao mesmo tempo, é de todos, já que a água é um bem comum.
Geraldo Humberto dando duro
“Nosso pai sempre nos ensinou que não devíamos retirar nem mesmo um cabo de enxada desta nascente. Ele sempre protegeu, e sei que ficaria orgulhoso do que estamos fazendo aqui”, Elenir mal conseguia segurar a emoção.
Uma equipe da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, liderada por Fabiano, que se auto-intitula um “militante do meio ambiente”, se incumbiu do trabalho pesado, juntamente com vários irmãos de Elenir, que se embrenharam na mata para dar sua contribuição na abertura de covas para receber os mourões. Os postes e as mudas foram transportados até o local pelos voluntários da OVIVE, grande parceira do Vidas Áridas, e também pelos alunos de Engenharia Ambiental das Faculdades Santo Agostinho, orientados pela professora Mônica Durães, que pesquisou a localização de cada uma das nascentes do Vieira.
“Concretizar um projeto como este, que foi desenvolvida por mim e pelos meus alunos, é um sonho. Agora podemos mais, até mesmo sonhar com a transformação da nascente do Rio Vieira em uma área de proteção de ambiental”, registrou a educadora.
Além do cercamento, que foi iniciado e que deve ser concluído nos próximos dias, foram plantadas cerca de quarenta mudas de árvores típicas da região, e também espécies frutíferas. As pessoas que moram no entorno receberam o primeiro treinamento para o combate a incêndios. As labaredas têm atingido com frequência o local, e a criação de uma brigada pode ajudar a minimizar os impactos. A ONG OVIVE vai fazer a doação de equipamentos anti-incêndio para a pequena, porem combativa “Brigada Alves”.
Mãos à obra
Como todas as ações feitas pelo Vidas Áridas, a população é convidada a participar, e isso inclui, obviamente, a classe política. Uma delas, a deputada federal Raquel Muniz, esteve presente. A congressista se comprometeu a dotar o projeto “Nascente Viva” com recursos oriundos de emenda parlamentar para que continue a cercar outras áreas como esta.
Outra informação relevante foi passada pelo representante da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, que nos assegurou que a compensação ambiental de empresas notificadas pela Prefeitura será na forma da adoção de outras três nascentes. Sinal que a rede de voluntários precisa ficar ainda mais forte ao longo deste ano.
 Eu fui ao local acompanhado de minha família, minha esposa e meus dois filhos. E lá vivemos momentos mágicos, de muita emoção. O Vidas Áridas, criado e gerido por mim e por meu amigo Geraldo Humberto, sempre teve um reconhecimento calcado em duas atividades, a conscientização e a mobilização.
Parceria
Conseguimos conscientizar através das palestras que fazemos gratuitamente em escolas públicas. E investimos na mobilização, quando conclamamos todos os políticos do norte de Minas, independentemente do partido, a abraçar o assunto “seca” como uma bandeira do povo norte mineiro, sem o viés ideológico que, muitas vezes, contamina as discussões e emperram as obras estruturantes, como o reinício das obras do reservatório de Berizal, no Alto Rio Pardo, que poderia saciar a sede de milhares de família e que hoje não passa de um símbolo falido de descaso. O que interessa, afinal, é que nosso povo não sofra tanto com este fenômeno cada vez mais severo. Além de conscientização e mobilização, podemos acrescentar também, doravante, a ação. Um gesto concreto em favor das próximas gerações, tão bem representadas pelas crianças que participaram do cercamento. Os numerosos netos do senhor João Alves, a bela neta ruivinha da deputada Raquel, os meus filhos e também a meiga Maria Eduarda, filha da professora Mônica que, com seu jeitinho despachado de lidar com a natureza, já se tornou nossa “mascote”.
Professora Mônica e sua filhinha

No instante em que realizávamos nossa ação na Gameleira, dentro da programação do “Dia Mundial da Água”, fui informado que a Igreja Católica organizou uma procissão até a nascente do Córrego do Cintra, afloramento de água engolido pelo progresso de Montes Claros. Ela conta que Padre Brígido, pároco de São Sebastião, quando indagado por um fiel se ele não tinha receio de que a caminhada pudesse ficar esvaziada, respondeu de um jeito espirituoso: “Só quero que participe da procissão aquelas pessoas que precisam de água, as demais não precisam ir”, o religioso resumiu o sentimento que nos move.

Um gesto que significa muito para a Natureza

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